segunda-feira, 27 de junho de 2011

Canal do Arruda: da lama ao caos, do caos à arte!

Á arte sim, leia-se: à arquitetura de uma nova paisagem no Recife.  Falar de águas em nossa cidade, a famosa Veneza Brasileira é como falar de nossas principais veias e artéria. Pontes e rios, nada mais característico na nossa paisagem!

Como olhar a cidade sem ver o que escorre nessas águas? O que compõe paisagem urbana e como corpos d`água estão presentes no imaginário do recifense? O que seria do Recife sem seus rios?

Questões como estas foram levantadas em nossa disciplina de paisagismo no curso de arquitetura da Faculdade Maurício de Nassau. Em princípio, trabalhamos vários conceitos referentes à paisagem urbana e à sustentabilidade, infra-estrutura verde, percepção ambiental. Depois avaliamos praças e espaços verdes na cidade e no mundo para ampliar conceitos e possibilidades. Por fim, desenvolvemos um trabalho prático de um anteprojeto voltado a REQUALIFICAÇÃO PAISAGÍSTICA DO CANAL DO ARRUDA.

A metodologia abordada considerou além de pesquisas bibliográficas, visitas a campo e entrevistas com a comunidade local e especialistas de áreas afins. A primeira visita em grupo foi acompanhada por dois profissionais que deram uma super contribuição ao trabalho. O primeiro foi o secretário da EMLURB, Fernando Albuquerque que falou sobre a importância dos corpos dágua do Recife, sua manutenção e projetos voltados aos canais e rios da cidade. O segundo, um engenheiro agrônomo e especialista em arborização urbana, Leonardo Rodrigues, o qual acompanhou todo o trajeto debaixo daquele solzão nos explicando  tudo sobre as espécies existentes e propondo a vegetação mais adequada para a área.

Começamos o percurso pelas imediações do campo do Santa Cruz. Quanto mais caminhávamos, pior ficava a situação do Canal: mais lixo, mas depredação, esgoto a céu aberto, ratos, mal cheiro e maaaaaaaaaaaais lixo!!! Nesta percepção, além do óbvio, encontramos também crianças brincavam com os lixos (caixas, telefones coloridos, bonecas sem cabeça!) entre as carroças de catadores; moradores usavam seus "banheiros públicos" improvisados na beira do Canal; casais bebericando nas mesinhas feitas de tronco quase dentro dágua; árvores que comportavam balanço e até uma televisão pendurada - espaço de lazer adaptado pela comunidade... Muito válido! Esse é o olhar de quem se apropria do espaço público e faz dele um indicador de suas necessidades e desejos. Como diria Thiago de Melo (by Pat Vasconcelos) "Faz escuro, mas eu canto". 







Após análise da área, os alunos começaram a desenhar a nova paisagem a partir das informações coletadas. Surgiu, contudo, uma polêmica sobre o partido a ser adotado no projeto. Como atender a comunidade sabendo que há falta de segurança e vandalismo com os equipamentos do entorno? Para quê pensar em algo ideal num local onde as pessoas não tem nem o básico para viver? Se está tão poluído, será que este Canal e os moradores que poluem valorizariam tamanho investimento?

Enfim, as vezes é mesmo difícil para a gente acreditar numa real mudança, já que estamos acostumados a ver tantos projetos dando para trás e tantas áreas que poderiam ser maravilhosas, entregues ao descaso em nossa cidade. Acontece que se a gente pensar assim, aí é que não sairemos do canto! Por isso eu defendo, nem que seja apenas na faculdade, que se pense em projetos de alto nível, com criatividade, tecnologia e conceitos (e não pré-conceitos!)

Depois de toda uma vivência prática, os alunos se debruçaram sobre exemplos bem sucedidos de revitalização de canais no Brasil e em todo o mundo. Para mim, este foi um ponto forte do trabalho porque é a partir deles que começaram a surgir as melhores idéias. Duarte e José trouxeram exemplos de canais no Acre, Espírito Santo e Amsterdã. Vanessa e Paulo trouxeram um exemplo extraordinário de um canal na Coreia do Sul que mudou definitivamente o conceito da turma e certamente, a vida de muitos moradores da cidade de Seul.

O exemplo no vídeo abaixo mostra a transformação de um rio/canal urbano que era poluído e horrível, uma coisa bem alá viadutos de SP passando por cima de um canal escuro, com uma mega estrutura de concreto sobre o leito... Nossa, veja só que mudança!!!


Depois dessa, Rafael ficou sem jeito... Disse que estava envergonhado de mostrar o que havia levado para assessorar. "Mas professora, eu não sabia que podia viajar..." Alo-owwwww e o que vcs pensavam então, que eu esperava uns banquinhos jogados com um estacionamento para bicicletas ao lado?????
Nós queremos é ARTE!  Sei que alguns acreditam que projetos de faculdade devem seguir exatamente a realidade e limitações do local, mas eu sinceramente, acredito que a hora de criar é essa e os projetos devem sim transcender o local e mente das pessoas!  Com a licença poética concedida, a turma avançou bastante no nível das idéias e mesmo com pouco tempo para desenvolvimento, apresentou trabalhos criativos, com bastante conteúdo teórico e propostas provocadoras para o local.

O trabalho foi divida da seguinte forma: 4 grupos zonearam a área total e cada um se aprofundou no projeto à sua zona referente. No geral, a parte escrita seguiu a mesma lógica para todos. Foi considerado que ações conjuntas viabilizariam a proposta geral. Ou seja, que haveria todo um trabalho de despoluição das águas, passando pelos problemas de drenagem, escoamento, manutenção, educação e por aí vai... Uma vez que cada competência proporia suas soluções, a parte que cabe ao arquiteto paisagista seria a elaboração do projeto desta arquitetura de exteriores.





Wilson e Rafa propuseram uma intervenção drástica. Reduziram a calha do canal na parte onde se alarga de modo a acompanhar a dimensão anterior e evitar erosão. Com o espaço que sobrou, criaram vários equipamentos e mobiliários urbanos. Mudaram a vegetação, reformaram as pontes, investiram em iluminação, lazer e esporte tirando partido do desnível existente naquele trecho. Até mesmo uma quadra sobre o canal foi lançada! (mandou viajar, agora aguente :P) 

Paulinho e Vanessa não se contentado com os pilares-monstros do Arrudão, criaram um grande painel vazado com ferro fundido e material reciclado interligando-os e através de um rebaixo no piso, criaram um espaço para exposições de grafiteiros das comunidades circunvizinhas. Assim acreditam que além de transformar uma agressão à paisagem em uma obra de arte, também estariam valorizando a cultura local, o que contribui para a preservação do local.

Duarte e José se aprofundaram na especificação de mobiliário urbano eficiente e sustentável e no detalhe dos canteiros, especificando a vegetação conforme orientação do nosso amigo Léo Rodrigues.

Jéssica, Manuella e Mariana propuseram uma intervenção na Praça A. Luiz, a qual fica às margens do canal e é bastante utilizada pela comunidade para jogos de futebol, lazer das crianças e apresentações culturais como maracatus da região. Sendo assim, lançaram mão de uma elementos como:  uma fonte, escultura, quiosques, anfiteatro, playground e wcs + apoio.

Assim concluímos a disciplina. Acredito que mesmo as dificuldades encontradas no caminho, conseguimos atingir o seu objetivo. Conversamos bastante, trocamos idéias e por viajamos por mundos diferentes, mas sobretudo, mundos possíveis! Resta agora ampliar este debate para a sociedade... Para que vislumbrem novas possibilidades para a nossa cidade... Para que se manifestem de alguma forma para mudar, para crescer, para melhorar de alguma forma o nosso espaço coletivo. Este é o papel de um arquiteto. Este é o papel de um cidadão.

Um comentário:

  1. Muito bom ter estudantes interessados em mudar a situação caótica do nosso Recife! Espero que as propostas sejam levadas a serio por alguém que faça acontecer!
    Parabéns!

    Sylvana (recifense morando em Brasília há 2 anos, mas não esquece da terrinha e das pessoas que lá estão)

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